De 8 a 80: Nacionalidade à portuguesa
Portugal quer ser europeu no rigor, mas esquece o país que é. A nova lei da nacionalidade é tudo menos clara. Somos o país do 8 ou 80. E às vezes, do 0.
Nasceu cá. Fala português. Estuda numa escola pública desde os três anos. Mas não é português.
A nova Lei da Nacionalidade quer reforçar os critérios de acesso à cidadania. Tornar o processo mais exigente. Diz o Governo que é preciso garantir “compromisso com os valores constitucionais”. E tudo isso soa bem. No papel.
Na prática, o país volta a mostrar a sua mania de ir do 8 ao 80. Ou temos portas escancaradas, ou construímos muros burocráticos. Como se o equilíbrio fosse um luxo que Portugal não sabe manter.
Durante anos, fomos dos países mais abertos à concessão da nacionalidade. Agora, querem que alguém cá viva uma década, sem saber se pode cá ficar. Querem que crianças passem a infância em escolas portuguesas, mas só depois de três anos a viver aqui é que os pais podem pedir a nacionalidade. E mesmo assim, não é certo.
O que diz isto sobre nós?
Diz que somos rápidos a aceitar slogans: “inclusão”, “acolhimento”, “direitos humanos”. Mas lentos a aplicá-los.
Diz que desconfiamos de quem chega, mesmo quando já cá está. E que temos medo de perder o que é nosso, como se o que é “nosso” estivesse assim tão claro.
Diz que confundimos exigência com exclusão. E que chamamos “defesa da soberania” ao medo de nos abrirmos.
Pior: diz que ainda achamos que há portugueses de primeira e de segunda.
Lembram-se do livro de Orwell, O Triunfo dos Porcos? Todos os animais eram iguais, até ao dia em que alguns passaram a ser mais iguais que os outros.
Portugal parece estar a escrever a sua própria versão. E a nova lei é mais um capítulo.
Há hoje meio milhão de pessoas a aguardar decisão sobre a sua nacionalidade. Meio milhão.
Quantas dessas pessoas estudam cá? Trabalham cá? Pagam impostos cá? E, acima de tudo: quantas dessas pessoas se sentem, já, parte deste país?
Portugal não pode continuar a escrever leis como quem muda de humor. Ora “coração aberto”, ora “portas fechadas”. A nacionalidade não é um favor. É um reconhecimento.
E talvez, da próxima vez, antes de alterarmos a lei, devêssemos perguntar: o que quer dizer, afinal, ser português?